Testemunho de um milagre

domingo, outubro 27, 2019

Eu tinha uma certeza sobre 2019 – minha vida mudaria para sempre. Eu estava grávida e sabia que
tudo seria diferente quando a bebê chegasse nesse mundo. Um pouco antes de ela nascer eu passei
muito mal, fui ao hospital, mas não descobriram nada. Fui pra casa com analgésicos. Tudo realmente
mudou quando ela chegou, nossas vidas estavam muito diferentes.

Quando a bebê tinha menos de um mês eu novamente fiquei doente. Sem pedir nenhum exame, o
médico me mandou para casa dizendo que tudo era resultado de ansiedade porque a bebê era
pequena. Duas semanas depois, a mesma dor insuportável, talvez pior. Minha mãe tinha acordado
de madrugada chorando, pedindo a Deus que nada acontecesse nem comigo nem com a minha filha.
Deixamos a bebê com minha mãe e dessa vez fizeram exames e viram que eu estava com vários
microcálculos na vesícula, o que exigia a cirurgia imediata. Passei o dia na base da morfina e, de
noite, fiz a cirurgia.

Acordei seis dias depois, no CTI. Eu tive uma parada cardiorrespiratória, sepse e fiquei entubada e
em coma induzida nesses dias. Ainda fiquei mais seis dias no CTI, antes de ser liberada para o
apartamento. Vomitava muito até o penúltimo dia. No último dia de CTI eu comecei a ter febre.
Essa febre perduraria por todos os outros dias de internação, que totalizariam 30 dias e meio, entre
CTI e apartamento.

Os seis dias de CTI pareciam anos. Lá você é monitorado o tempo todo. Mil fios ligados, exames de
sangue diários, medição de glicose, pressão, saturação e nenhuma companhia. Três horários eram
liberados para visitas. 9h e 15h, por uma hora cada, e 20h, por 30min. Presa na cama, usando
fraldas, na maior parte dos dias nem água podia beber, sendo banhada por enfermeiras. Havia uma
tv, e eu vi toda a programação do canal de filmes. As enfermeiras e técnicas de enfermagem eram
maravilhosas, eram as responsáveis por eu me sentir um pouco melhor naquela situação. Na
verdade, todos os profissionais que me atenderam. E foram muitos.

No quarto eu só conseguia pensar na minha filha. Cada dia que passava era uma eternidade longe
dela. Como no CTI eu não tinha acesso ao meu celular, foi no quarto que comecei a conversar com
as pessoas do lado de fora do hospital. Muitas pessoas estavam orando por mim. Muitas. Muito
mais que eu imaginava. Amigos distantes, gente que não conversava com a gente há décadas.
Pessoas fora do Brasil, eu nem consigo mensurar. Foram 18 dias naquele quarto, promessas de alta
que não se cumpriram por uma infecção insistente, e eu achava que nunca mais iria sair daquele
hospital. Eu só acreditei quando vi a UFMG.

Meu pai foi minha companhia e cuidador nos dias do quarto. Minha mãe cuidou da minha bebê com todo carinho e dedicação. Família e amigos se uniram para ajudar no que fosse preciso

Passei um mês na casa da minha mãe, me recuperando, voltei ao trabalho e, dois meses depois da
alta, fiz uma última cirurgia, para retirada de uma prótese que foi colocada no meu canal biliar.
Minha filha nasceu de cesárea e, na primeira internação, foram três cirurgias, porque tive
pancreatite. Com essa última cirurgia foram cinco cirurgias esse ano. E eu nunca havia feito
nenhuma.

Então, sim, minha vida mudou para sempre, mas foi além do que eu imaginava. O fato de ter
morrido e voltado a viver foi um milagre. Casos como o meu, de acordo com os médicos, são raros,
e, mais raros ainda, é a recuperação total sem sequelas.

Passei uma boa parte da minha vida esperando por grandes milagres. Perdi um tio e avô para o
câncer. Passamos por situações financeiras muito delicadas na minha família. Mas se tem uma coisa
que eu quero lembrar do mês de junho desse ano foi o dia 09 de junho - o dia em que nasci de novo.
Nós sempre dizemos que a vida é um sopro, que a morte pode chegar em qualquer momento, mas
na verdade a gente não pensa nisso sempre. É a forma que o próprio cérebro tem para nos manter 
sãos. Mas de repente eu fui ao hospital e poderia não ter saído de lá. 

Ao mesmo tempo que é
assustador, me faz agradecer por cada dia que eu tenho nessa terra. Cada dia é um presente. Cada
sorriso da minha filha é uma bênção. Cada dia que durmo ao lado do meu marido é uma dádiva.
Cada pequeno detalhe, tudo passa a ter importância. As pessoas ao meu lado são muito
importantes, eu não posso deixar que o cotidiano me engula e não me deixe apreciar cada uma
dessas pessoas, desses momentos.

Mentiria se dissesse que não questionei a Deus o porquê de eu ter passado por tudo aquilo. Mas não
tenho dúvidas que, mais uma vez em minha vida, e de forma ainda mais surpreendente, a graça
continuou me acompanhando.

                                           
                                                  (O dia que eu cheguei em casa)

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