A sombra

sexta-feira, dezembro 27, 2013

Já havia escurecido e para falar a verdade, eu não lembro bem que horas eram.
Só sei que sai, para caminhar pela cidade e sentir o vento frio do início do inverno bater em meu rosto.
Eu precisava daquilo.
Precisava espairecer e ficar longe de tudo. Longe de nada.
Andei pela minha rua, mãos nos bolsos da minha jaqueta preferida. 
Aquela vermelha, já com um bolso rasgado.
Poucas pessoas passavam por mim.
Poucos prédios iluminados.
Para meu desespero, logo percebi que eu havia me perdido.
De novo.
Se bem que já havia me acostumado.
Não reconhecia mais aqueles rostos, aquelas ruas, aquela cidade.
Percebi que eu estava andando pelas ruas da minha mente.
Me vi num beco. Com um muro alto, com algumas palavras pichadas.
Palavras escritas num vermelho vivo, como se fosse sangue.
Mas eu não reconhecia aquelas palavras. Estavam escritas num idioma que eu não compreendia.
Ouvi passos.
Era ela. Eu sabia. 
Ela sempre aparecia quando eu me perdia e não conseguia encontrar o caminho de volta.
De volta, para mim mesma.
Aquela sombra sem face.
Eu já sabia o que aconteceria.
Apenas fechei os olhos e deixei, que com um soco no estômago, ela me derrubasse no chão.
Eu não me defendi. Não dessa vez. Eu sabia que era inútil.
Eu permanecia no chão, ainda de olhos fechados. 
Apenas senti aquilo que eu já sentira antes.
Ela enfiou a mão direita dentro do meu corpo e começou a apertar meu coração.
Eu achei, que ela iria arrancá-lo. O que seria muito bom, pois assim, a dor também seria arrancada.
Mas não, ela foi apertando cada vez mais forte.
Quebrando aquele silêncio entre a minha dor e o barulho do meu coração paralisando, ela disse:
- Seu coração está mais forte dessa vez.
Ainda sem abrir os olhos e repassando mentalmente todos os tombos que a vida já me deu, eu respondi:
- A vida me fez mais forte.
Ela não conseguiu apenas com uma mão e de repente eu senti que ela também estava usando sua mão esquerda. Para esmagar meu coração. 
Senti o exato momento em que ela conseguiu.
Espalhando pedaços do meu coração por dentro de mim, pela minha alma, pelas minhas veias.
Ela se levantou e já estava indo embora. Não havia mais nada a fazer.
Foi quando me virei para o muro e as palavras começaram a fazer sentido para mim. Eu já as ouvira antes.
Ainda no chão eu consegui gritar:
- Pelo menos me diz seu nome, dessa vez. Eu ainda não sei.
Ela não se virou. Mas eu senti que sorria. Apenas me respondeu:
- Eu sou a dor, o orgulho, a rejeição, o medo... eu sou quem você me deixa ser. Ou você pode me chamar de vida.
Ainda tenho pedaços do meu coração afogados em meu próprio sangue.

PG
27/12/2013



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